O Reencontro

imagem da net

Carmen Sílvia Musa Lício

Quando saiu, nem olhou para trás. Era um jovem bastante destemido e cheio de sonhos, e de muita atitude!!!

Foi embora depois de uma discussão com os pais, afinal, queria viver a sua vida, pois já se sentia adulto o bastante para dar o seu rumo próprio, fazer as suas escolhas...

Resolveu mudar-se para uma cidade do interior, distante dos pais, para seguir os seus projetos sem interferência nenhuma da família. Foi morar com um amigo de infância em uma pensão e, ao chegar, arrumou o seu cantinho, suas coisas no armário dividido, e iniciou a sua nova vida com muito entusiasmo!!!

Começou a procurar algum emprego. Não foi fácil, pois havia abandonado os estudos no meio da faculdade, mas, "o que valia um simples cartucho??? Hoje mais vale a experiência do que a teoria". E assim pensando, continuou a sua busca.

Depois de algumas semanas, a "poupança" terminando, começou a achar que talvez não devesse ter sido precipitado. "Prá que reagir com a emoção e não com a razão?". Mudar para uma cidade do interior, sem ter nada seguro, numa cidade sem muitas oportunidades... Êta cabeça!!!

Encontrou uma vaga de "chapeiro" em uma lanchonete, bem aquém do que achava ser digno de si... Ficava o dia todo preparando lanches e servindo o balcão. Não era bem isto que sonhara para a sua vida, mas seria só por um tempo, pensava; depois pretendia fazer alguma coisa que pudesse melhorar a sua vida e dar aquela "guinada" tão sonhada!

Conseguiu, após um mês pagar o primeiro aluguel na pensão e sentiu-se muito bem, apesar de toda a batalha... E os meses se passaram, sem conseguir sair daquela vida, pois chegava em casa sem qualquer ânimo para sair. Nos dias de folga, saia com os amigos, passeava pela praça da cidade e olhava as moças, que eram "tudo de bom". Mas a sua vida, no geral, estava muito parada, sem melhorias ou alegrias maiores.

Depois de passado quase um ano, pensando bem, percebeu que havia sido mal agradecido, não dando o devido valor aos investimentos dos seus pais para que ele tivesse uma vida com maior preparo, com melhores oportunidades... E isto começou a importuna-lo, acordando-o no meio da noite, a pensar em sua falta de perspectivas, em como sair daquela situação em que havia se metido...

Não via saída e estava se sentindo deprimido por tudo o que estava passando, sem coragem para voltar para casa, afinal... não era isto o que sempre sonhara? Uma vida sem ter que dar satisfações a ninguém?

Com a proximidade do Natal, começou a se lembrar de como esta noite era alegre em sua casa, em como se divertia com seus irmãos, a procurarem os presentes, comendo aquela ceia especial feita com tanto carinho pela sua mãe... Como pode não ter dado importância a estes momentos tão singelos? E grossas lágrimas escorreram pela sua face...

A dona da pensão perguntou onde ele iria passar o Natal e ele abriu o coração, contou o que havia feito, a sua vergonha em pedir perdão aos seus pais, o seu receio de não ser mais "bemvindo ao lar", de ter mais uma decepção... Dona Virgínia sorriu e disse, com carinho:

- "Qual é o pai ou mãe que não ficaria feliz em receber o filho de volta, principalmente na noite de Natal??? Quer maior presente do que este???"

E isto não saiu mais do seu coração... Nos dias seguintes pensou seriamente em voltar à sua casa, pedir perdão aos seus pais, ver se eles o aceitavam de volta... Só isto já seria uma imensa alegria!!!

E foi saber dos planos de final de ano dos seus amigos, que, um a um, disseram que tinham outros planos e que ele, infelizmente, ficaria sozinho no quarto da pensão, sem amigos, sem família, sem ninguém para dividir esta noite tão festejada por todos. Mais uma decepção!

No dia seguinte, embarcou para a sua cidade, com um certo receio, e resolveu voltar para casa e saber se poderia voltar a morar lá... Pensou muito no que dizer, nas promessas que faria se lhe dessem uma nova oportunidade. Foi uma viagem de muita ansiedade... Chegou à noitinha na rodoviária e só conseguiu chegar em casa lá pelas 21h, debaixo de garoa...

Ao avistar a casa, percebeu que a janela da sala estava iluminada, com uma árvore de natal com suas luzinhas piscando... E, chegando perto, viu que a porta se abriu e seus pais vieram correndo encontra-lo no caminho, dando um abraço muito apertado, a três, chorando tanto juntos que acabou por não conseguir falar nada do que planejara...

E se sentiu amado, e perdoado, sem a necessidade de trocarem nenhuma palavra...

Agora sim, sabia, estava preparado para a vida.